quarta-feira, 6 de abril de 2022

A cura pelo mar

 


A minha janela tem vista para uma parede. As três janelas do meu apartamento têm vista para uma parede. Uma parede pintada de branco encardido de velho e lodo, pintura antiga e castigada pelo tempo.

Nos meses em que fiquei de cama, uns 18 meses aproximadamente, a minha vista foi a tal parede. Eu ansiava por uma outra vista. Ver estrelas, ver a lua, uma montanha, o mar. Eu sonhava com o mar, desejava o mar. Queria sentir o cheiro salgado do mar. 

E não perdi cada uma das chances de me encontrar com as águas salgadas. Ou como gosto de dizer: visitar Iemanjá.


Praia Vermelha foi a primeira parada. Eu fui dirigindo. Estava louca, ansiosa. O dia estava frio, ventava. Não era um bom dia para banho. O mar estava de ressaca, mas o cheiro da água salgada inundava minhas narinas.


Arraial do Cabo foi a segunda parada. Eu havia feito os exames e estava na iminência de saber o diagnóstico. Um dos exames havia dado positivo para proteína de Bence Jones. A presença dessa proteína na urina é marcador de quatro doenças, sendo três delas malignas. Ainda faltavam 10 dias para a consulta, então eu resolvi fugir e curtir uma semana na praia, longe de tudo, pensando em outra coisa, para não ficar pesquisando na internet sobre as doenças ou sofrendo por antecipação. Eu não precisava sofrer por um câncer, sem um diagnóstico fechado.

O diagnóstico foi gamopatia monoclonal de significado indeterminado. A única das tais quatro doenças que não era câncer. 


Aí veio Búzios! Final de outubro, início de novembro. Um passeio com as amigas. Um apoio sem par. Um momento de olhar para mim, de pensar no novo corpo, tentar descobrir o que ficava bem, escolher o novo guarda-roupa. 



Escolhi as praias, os passeios, dirigi tudo o que pude.  Conheci cantinhos de Búzios que ainda não havia descoberto.

No meu aniversário, eu abusei da sorte. O sol chegou com o verão e eu corri pro mar de novo.


Observe que eu estava bem magrinha. Nessa foto, eu já estava com anemia grave. Dois médicos mencionaram a hipótese de transfusão de sangue. Mas não foi necessário 🙌🏾.


Aprendi com uma amiga que sempre vale a pena ter um biquíni à mão. Foi o que aconteceu nessa visita à praia da Barra. Foi por acaso. No lugar de voltar pra casa, dei meia volta e fui tomar um sol.



O carnaval de 2022 também fez uma parada na praia do Pontal, ao lado do meu amorzinho. 

Em cada visita ao mar, era uma renovação, um refrigério, um revigor. 

Dizem que água com açúcar acalma, mas o que cura mesmo é água salgada! 

🌊🐳🐟🐚🧜‍♀️🐬🐋














quinta-feira, 31 de março de 2022

A cura pela dança

 Sempre gostei de arte. Todo tipo de arte. Música, dança, pintura, poesia, escultura... Nunca tive talento para nenhuma, o que não me impediu de me deliciar diante da arte e usufruir dela.

A poesia, certamente, é a mais próxima de mim. Adoro dizer que ganho a vida recitando poesia para adolescentes (como se o trabalho do professor de literatura se limitasse a isso rs). 

Entretanto, no processo de cura e restauração da saúde e do corpo, não foi a poesia que me levantou. Foi a dança que me acompanhou. 

De agosto de 2020 a janeiro de 2022, vivi todo tipo de fragilidade, falta de força e impotência possível. No primeiro carnaval da pandemia e ainda me tratando de tuberculose, eu tive que dar aula na sexta-feira de carnaval a caráter (de algum jeito).

O desejo de dançar, de pular carnaval me impelia a fingir que era possível, ao me conformar que não dava. 2021 seria um carnaval recluso, obrigatoriamente recluso.



O carnaval de 2021 me fez lembrar dos sambas-enredo do ano anterior. Eu sabia quase todos do grupo especial e tinha um preferido, que virou videozinho com dancinha no pole.




A dança se tornou muito importante porque um dos sintomas / efeitos colaterais mais intensos foi a rigidez. Eu acordava totalmente rígida, com uma enorme dificuldade de movimentar pernas e braços. Por vezes, ao anoitecer, sentia a mesma coisa. Não conseguia ajoelhar ou agachar. Fiquei com muitas limitações de movimentos.

Tive diversos inchaços nas mãos, nos cotovelos e nos pés. Ainda aparece um calombo na minha coluna de vez em quando...

 Dançar é o contrário disso.

Aprendi com uma pole friend que vc só precisar sentir a música e se soltar. A dança foi um remédio. A cada melhora, ainda que mínima, eu dançava. Eu gravava um vídeo no pole com uma coreô improvisada, postava em busca de biscoito rsrs.

Depois do agravamento da anemia, em dezembro de 2021, qualquer movimento se tornou muito difícil, eu vivia cansada. Não levantava para nada. Até o dia 10 de janeiro, dia que eu considero o ponto de virada no meu tratamento. 

No carnaval de 2022, eu voltei a dançar. E foi em uma roda de samba lotada, com música ao vivo, com bateria da Mangueira. Eu saí rouca, suada e realizada! 

Foi depois desse dia que percebi que eu podia voltar a fazer de tudo. Sim, estou sendo cautelosa, mas estou fazendo um pouco de cada coisa. Natação. Musculação. Maracatu. Quero abraçar o mundo inteiro com as pernas! 

E tudo começou com a dança. Com o samba!