quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Justiça, misericórdia e graça

Tinha sido avisado inúmeras vezes. Sabia que dessa vez não haveria perdão. Enquanto esperava na porta da direção da escola, lembrava o quão banal havia sido a provocação que o levara até ali. João, seu idiota, repetia para si mesmo, por que você aceitou brigar? Imaginava a punição que seus pais lhe dariam. Provavelmente, levaria uma surra sem igual e ficaria de castigo por meses. Já havia se conformado a não ver TV pelos próximos dias, nem jogar videogame, mas ainda esperava continuar treinando futebol, apesar das ameaças. Se eu tiver que conversar mais uma vez com sua diretora, nem o futebol será poupado!


Dona Márcia! Ouvira alguém chamando no fundo do corredor. Sua mãe havia chegado e já entrara na sala da diretora. Ele nem olhou para ela, temendo ser fulminado por seu olhar, mas sabia que só estava adiando esse momento, que, cedo ou tarde, chegaria. Os minutos que sua mãe passara na sala da diretora pareciam-lhe uma eternidade, uma angustiante eternidade...


Vamos. Foi a única palavra que ela dissera ao sair da sala da diretora. Seu olhar estava muito mais decepcionado do que fulminante. O que eu fiz? Pensava arrependido. Ver sua mãe decepcionada era pior do que qualquer punição. Ele merecia não poder jogar futebol pelo resto da vida. Sua mãe estaria certa se o proibisse.

Entraram no carro. Sua mãe continuava sem dizer palavra. Ele tentava imaginar o que ela pensava. Chegaram, e sua mãe permanecia muda. Ele se dirigiu ao próprio quarto; certamente, pioraria a situação se ficasse pela sala ou se ligasse a televisão. Enquanto subia as escadas, sua mãe quebrou o silêncio. Falaremos juntos com você, eu e seu pai. Ele fez que sim com a cabeça e prosseguiu seu caminho.

No quarto, ele se sentia como um réu que está para ser condenado. O relógio não andava, já havia verificado várias vezes se não estaria parado. Rolava pela cama. Remexia nos livros. Não conseguia ler nada. Não tinha coragem de ligar o computador, não merecia qualquer tipo de diversão. Imaginava que seus próximos meses seriam muito parecidos com aqueles momentos.

Seu pai chegou. Ouviu passos pela casa. Vozes conhecidas e decepcionadas. Silêncio. Por fim, passos na escada. A hora havia chegado, em alguns segundos conheceria sua pena. A maçaneta. Entraram. Seus pais estavam de mãos dadas. Isso significava que eles estavam em pleno acordo sobre o que ia acontecer. Puxaram duas cadeiras e se sentaram de frente para a cama. Ele sentou, não conseguia fixar o olhar em seus pais, olhava para baixo, envergonhado do que havia feito.


- Filho, você sabe que queremos o seu melhor, não é? - Começou seu pai.

O garoto fez que sim.

- Olhe para nós.

Ele ergueu o rosto, mas desviava o olhar.

- Nós queremos te ensinar algo muito importante.

Somente neste instante viu que o pai estava com um largo cinto nas mãos. Já esperava pela surra, mas se assustou com a largura do cinto.

- Nós queremos te ensinar três conceitos: justiça, misericórdia e graça. Diga, sinceramente, pelo que você fez, o que você merece?

Temendo agravar sua condenação, ficou em silêncio um tempo.

- Não tenha medo de dizer a verdade. Nós já decidimos o que vamos fazer, o que você disser não pode piorar sua situação. O que você merece?

- Castigo. - Sussurrou ele.


- Que tipo de castigo? Se você estivesse no meu lugar agora, que castigo você daria a seu filho? – perguntou o pai com voz mansa.

- Acho que daria uma surra nele e tiraria o que ele mais gosta. – Respondeu apreensivo.

- Então no seu caso, você merece ficar um bom tempo sem futebol, certo?

O filho fez que sim com a cabeça.

- Isso seria ser justo. Justiça é dar aquilo que se merece. Você comete um erro e paga por ele, mesmo que se arrependa, porque, mesmo arrependido, é impossível desfazer o que já foi feito, é impossível voltar no tempo. Por exemplo: uma pessoa que mata outra continua sendo um assassino, por mais que se arrependa, ele não pode devolver a vida ao assassinado. Contudo, a justiça tem um defeito, mesmo que a justiça mate o assassino, ela não devolve a vida ao morto.

João ergueu o rosto surpreendido pela fala do pai. Aonde será que ele quer chegar? Perguntava-se.

- Deus sabia disso. Mesmo que ele punisse o erro, isso não desfaria o erro. Por isso, dissemos que Deus é misericordioso. Me diga, se eu resolver ser bonzinho com você, o que eu faria?

- Não me bateria com esse cinto largo que está na sua mão.

- Sim, é verdade. Só isso? Eu manteria algum tipo de castigo? Ponha-se no meu lugar novamente.


- No seu lugar, se eu fosse um pai bonzinho, acho que haveria um castigo, só que leve. Não sei, talvez, deixasse meu filho sem poder sair de casa por uma semana.

- Você está raciocinando muito bem. Isso é ser misericordioso: dar uma pena leve ou não punir. Eu, você e sua mãe temos pecados, nós não pagamos por eles para sermos perdoados, porque Deus é misericordioso conosco. O que você acha de eu ser misericordioso com você e não te dar nenhum castigo?

- É errado! Eu mereço um castigo. Eu desobedeci. Eu tenho que ser punido. – As últimas palavras do pai não faziam sentido para João.

- Sim, João, o que você merece é um severo castigo, mas, se eu for misericordioso, você não será punido.

João não sabia se devia ficar alegre com a possibilidade de não ser castigado. Seus pais já haviam cumprido ameaças anteriores e sentia dores só em lembrar das ocasiões. O que acontecera a eles?

- Entretanto, João, Deus não se contenta em ser misericordioso. Imagine, novamente, se você estivesse no meu lugar, e, ao invés de cortar o futebol da sua vida, você resolvesse dar a ele um pacote de viagem incluindo ingressos diários para a próxima Copa do Mundo. O que você acha disso?

- Pai, isso é muito injusto! Eu nunca faria isso com um filho meu. Se ele desobedeceu, precisa ser castigado!

- É exatamente isso que Deus faz conosco, Deus vai além da misericórdia e age conosco graciosamente. Isso se chama graça. É dar aquilo que não se merece. Você merece castigo, mas ganha uma viagem. Deus nos dá o céu, mas merecíamos o inferno.

Não se sabe se João foi alvo da justiça, da misericórdia ou da graça dos pais, mas, certamente, ele foi alvo da Graça de Deus.

“Como os outros, éramos por natureza merecedores da ira. Todavia, Deus, que é rico em misericórdia, pelo grande amor com que nos amou, deu-nos vida com Cristo, quando ainda estávamos mortos em transgressões — pela graça vocês são salvos”. (Efésios 2. 3-5)

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